Uma Casa, Um Futuro

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Pedro Tomás, da Direção de Conservação do Património da Gebalis

Pedro Tomás, da Direção de Conservação do Património da Gebalis

O programa Morar Melhor tem mais de 30 obras ativas em Lisboa

Um dos grandes desafios da habitação em Lisboa é a reabilitação. No entanto, há casos em que os edifícios estão de tal forma arruinados que a solução pode passar mesmo por demolir. Depois sim, edificar, avançam os peritos.

Publicado em 10 de Abril de 2025 às 15:29

O alerta sobre o mau estado de algum edificado da capital é dado por Victor Reis, antigo presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU). “A velha cooperativa Portugal Novo nas Olaias é, neste momento, um dos maiores cancros que existem na habitação social em Lisboa”, a afirmação é de Victor Reis, em conversa, no âmbito da iniciativa “Uma Casa, Um Futuro”. E justifica: “Esteve durante 30 anos como sendo terra de ninguém. Ninguém pagou rendas, as pessoas ocupavam aquilo, transacionavam as chaves, as obras clandestinas são mais que muitas, as ligações também são clandestinas… Os edifícios, embora estejam de pé e visíveis, estão infraestruturalmente arruinados. Isto é perigoso. É, de facto, uma situação na qual, muito provavelmente, a câmara terá de demolir e fazer de novo, porque será muito pouco viável.”

No âmbito do programa Morar Melhor já foram reabilitadas mais de 1500 casas.

Pedro Tomás, da Direção de Conservação do Património da Gebalis

Com uma ligação de trabalho à área da habitação de quase 40 anos, o antigo presidente do IHRU lembra outras situações que foram resolvidas: “Se forem hoje à Mouraria, à entrada da Rua do Capelão, do lado direito, têm prédios pré-pombalinos, que estavam em ruína e foram desmontados e remontados. Mas é uma opção caríssima, não é possível fazer isto com todos os edifícios. O problema central na manutenção do património é, em primeiro lugar, perceber que problemas tem, porque, muitas vezes, a construção em si já não foi boa. Se sobre isso estão muitos anos sem conservação, a degradação acentua-se rapidamente. E o grande desafio que a Gebalis tem é que uma boa parte do património é anterior aos dois últimos grandes programas habitacionais.”

Pedro Tomás, da Direção de Conservação do Património da Gebalis, explica que o parque habitacional existente em Lisboa tem modelos de arquitetura, métodos construtivos, formas de conservação, de manutenção e de apropriação diferentes. Por isso, saber em que “estado está o parque habitacional” e como é que “foi feita a manutenção ao longo dos tempos” é o primeiro passo para perceber o que é necessário fazer e quantificar em termos orçamentais. Após avaliar qual é o grau de investimento, é necessário decidir em termos de gestão se deve ser feito. “Se o investimento é de tal ordem que torna a decisão inviável, então temos de demolir aquela malha urbana e erguer de novo”, afirma Pedro Tomás.

No que diz respeito à reabilitação, a “substituição de envidraçados, sombreamentos” e tudo o que “puder dar conforto no interior da casa” é algo que já é normal a Gebalis fazer. Todavia, Pedro Tomás alerta que, após uma reabilitação, também é necessário que “o comportamento dos moradores se ajuste”. “Nós recorremos aos materiais que existem no mercado e testamos muitos sistemas de revestimento de paredes e formas de aplicação, mas aquilo que as pessoas mais olham é: ‘Eu tenho uma janela nova’. Tem uma janela com vidro duplo, aparentemente robusta. Dá-me conforto e dá-me segurança. Às vezes também há o lado da segurança quase mental, um descanso mental”, conta.

Além das questões de segurança e conforto, Pedro Tomás assegura que hoje a Gebalis procura ter em atenção o que uma casa representa para cada pessoa. “A casa era um local de refúgio, inicialmente, depois de conforto, de família, de segurança, mas agora, com a questão pandémica, surgiu o local de trabalho. E cada vez mais é um local de assistência, de cuidarmos dos nossos doentes em casa. E aqui também falamos um bocadinho de inovação – não do ponto de vista da eficiência energética ou do conforto, que estão lá –, mas como conseguimos que a casa seja confortável e adaptada? Nas nossas casas temos obstáculos de circulação. Obstáculos aos cinco sentidos. E podemos preparar as casas em função das necessidades de quem lá está ou de quem cuida de quem lá está”, refere e prossegue: “É esta nova dinâmica que queremos para as casas: que sejam universais e que respondam às nossas necessidades como inquilinos.”

Habitação social igual a habitação normal

Por sua vez, Victor Reis lembra que nos anos 1980 e 1990, havia habitação de custos controlados, que tinha um conjunto de características de dimensionamento, de acabamentos, de custos, que hoje seriam “absolutamente inviáveis”. Por exemplo, as “primeiras casas de habitação social do país, feitas nos anos 1920, 1930,” eram construídas “sem casas de banho ou com casas de banho comuns a várias casas”, explica. Atualmente, com as exigências regulamentares que foram colocadas “com questões como a térmica, a acústica, o próprio dimensionamento, os sistemas construtivos, levam a que seja muito difícil fazer habitação social de forma diferente daquela que é a habitação normal” e isso “torna a produção mais cara”.

Podemos falar de edifícios inteligentes, mas um edifício inteligente é um edifício que tem de ser sustentável. E temos de ter um plano de manutenção futura.

Pedro Tomás, da Direção de Conservação do Património da Gebalis

O antigo presidente do IHRU também concorda que há comportamentos de utilização das casas depois destas reabilitações com os quais “é preciso ter um particular cuidado”. “Esta questão térmica e da eficiência energética na habitação social coloca alguns desafios interessantes. Porque em casas que ‘respiram’ – porque as casas são mais permeáveis, quando são envolvidas, por exemplo, nos chamados capotos, na esferovite –, a casa fica estanque. Qual é o problema? Se a casa não é ventilada, começam as condensações. Primeiro nas janelas, depois nas paredes. Quando as pessoas dão por isso, têm as paredes pretas e começam a achar que há infiltrações. Mas não há infiltrações”, assegura.

Victor Reis recorda também comportamentos semelhantes nas décadas de 1970 e 1980. “Pessoas que, saídas das barracas, iam viver para casas novas e não se conseguiam adaptar ao uso da instalação sanitária. Muitas vezes convertiam a instalação sanitária numa horta ou sabe-se lá em quê. Portanto, este tipo de fenómenos ainda hoje acontece, obviamente, com outras características, mas todos os processos de adaptação devem ser tratados com particular cuidado.”

No que toca aos bairros de barracas, lembra uma realidade existente entre a década de 1940 e 1990 que era “quase normal”: “Zonas extensíssimas de barracas, aos milhares, com condições de vivência miseráveis.” E dá como exemplo “a Curraleira, o bairro chinês de Chelas, o Vale de Alcântara, a Musgueira…”. Ou seja – explica o antigo presidente do IHRU –, “muitos daqueles que eram os bairros provisórios feitos pelo Estado Novo para o realojamento, quando foi a construção da ponte 25 de Abril, na altura a chamada ponte Salazar”. Neste sentido, Victor Reis destaca que a Gebalis “é o produto de um trabalho de décadas, de muitas câmaras municipais, de muitos governos”: “Ébom que não ignoremos o papel dos governos que permitiram que estas 20 mil casas hoje existam e que tenham acabado com uma chaga brutal e gigantesca na cidade.” Por isso, defende: “Todos nos podemos orgulhar desse trabalho, independentemente de quem foram os governos, os presidentes de câmara, os partidos políticos que ganharam eleições, quem esteve lá. Há um resultado absolutamente fenomenal que permite hoje dizer que Lisboa não tem barracas.”

Victor Reis, antigo presidente do IHRU
Victor Reis, antigo presidente do IHRU

Victor Reis, antigo presidente do IHRU

Nas décadas de 1970 e 1980, as pessoas que, saídas das barracas, iam viver para casas novas não se conseguiam adaptar ao uso da instalação sanitária. Muitas vezes convertiam a instalação sanitária numa horta ou sabe-se lá em quê.

Victor Reis, antigo presidente do IHRU

Concursos que ficam desertos

A Gebalis gere, atualmente, um património de “25 mil frações ligadas à habitação municipal nas suas diferentes valências”. Porém – assegura Pedro Tomás –, a empresa municipal “não é uma simples gestora de imóveis” porque “faz muito mais do que isso”: é responsável pela “manutenção do edificado” quer seja “preventiva” ou “corretiva” e também faz “obras de conservação e de reabilitação” enquadradas em vários programas.

Quanto à gestão do arrendamento, tem várias políticas conhecidas como as de “renda apoiada e renda acessível”, além de ter como “missão e responsabilidade ligar as comunidades, as culturas e fazer notar os direitos e os deveres de cada um”.

O Governo (agora demissionário) comprometeu-se a entregar às famílias 59 mil casas até 2030, no âmbito da estratégia “Construir Portugal”. Para Victor Reis, “oprincipal desafio para alcançar esta meta é ter empresas de construção e ter mão de obra em quantidade suficiente, porque o principal problema que está a acontecer com a execução do PRR são concursos que ficam desertos”. Ou cujos preços têm de ser significativamente aumentados para haver concorrentes. Além disso, o antigo presidente do IHRU sublinha que cerca de metade das 59 mil casas são reabilitações e, por isso, o trabalho intensivo que a Gebalis está a desenvolver é “muito importante” porque se trata de um “bem escasso”: “Somente 2% do nosso parque habitacional em Portugal é de habitação social, é habitação pública. É um bem escasso.”

Já Pedro Tomás ressalva que, além dos desafios na construção e reabilitação, a Gebalis tem de ter em consideração “quanto é que vai custar a manutenção futura, principalmente na habitação nova” porque estão em causa “elevadores, sistemas de iluminação, de ventilação”, entre outros. “Podemos falar de edifícios inteligentes, mas um edifício inteligente é um edifício que tem de ser sustentável. E temos de ter um plano de manutenção futura”, sublinha o responsável da Direção de Conservação do Património da Gebalis. Victor Reis acrescenta, com algum humor: “E rezar para que durante a obra o empreiteiro não falhe. Porque conheço vários casos em que a obra foi começada por um empreiteiro, ele faliu, fechou a atividade, parou a obra, tivemos de encontrar outro, e… infelizmente é uma história que se repete.”

Somente 2% do nosso parque habitacional em Portugal é de habitação social, é habitação pública. É um bem escasso.

Victor Reis, antigo presidente do IHRU

O problema de entrar nas habitações

Em relação às reabilitações, para o antigo presidente do IHRU é “mais fácil” quando se trata da “caixa envolvente do edifício”, como a cobertura ou as fachadas. O problema – afirma Victor Reis – “é quando temos de entrar dentro das habitações”. “Às vezes, é necessário que a família vá temporariamente viver para outro lado, para a casa ser completamente arranjada.” Além disso, quando as casas estão “20 ou 30 anos” sem manutenção, podem precisar de “uma grande obra” e “10 mil euros podem não chegar”. Além das partes comuns dos edifícios que, muitas vezes, estão obsoletas: “Antigamente, os edifícios coletivos de habitação social não tinham porta da rua. A escada era aberta. Qualquer pessoa entrava pelo prédio adentro. Não existia uma antena comum de televisão. E, portanto, quando se pretende dar alguma privacidade a um edifício e pôr a porta na rua, há que instalar campainhas, há que pôr intercomunicadores.”

Segundo Pedro Tomás,  no âmbito do programa “Morar Melhor”, existem, neste momento, “mais de 30 obras ativas em diferentes freguesias de Lisboa” e, nestes últimos quatro anos, já foram reabilitadas “cerca de 1.800 casas”.

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